Urgente
- Oi, vó.
- Oi, Julinha. Como estão as coisas, querida?
- O de sempre, vó. Muita coisa pra resolver, muito problema pra pouco tempo.
- Você vive com pressa. Você tem que aproveitar mais a vida.
- Mas vó, eu tento. Só que não posso deixar minhas obrigações de lado. Depois acumula tudo e fica pior.
Ninguém resolve nada e eu gosto das coisas do meu jeito. Ninguém tem paciência pra acompanhar meu ritmo e eu acabo ficando sempre sozinha. Todo mundo já casou, teve filhos, tem família e eu aqui.
- Sabe, eu já estou no fim da minha vida. Por mais anos que tenha vivido, sei que o que eu aprendi é quase
nada perto do que esse mundo tem a oferecer. Sei que morrerei sem conhecer lugares que sempre sonhei,
não terei realizado muitas das coisas que gostaria, mas aprendi uma ou duas coisas sobre o amor.
- E o que você aprendeu, vó?
- Em primeiro lugar, amor não se ensina. O amor não é algo que dá pra gente medir, como a distância ou
o tempo. Amor é algo que a gente aprende a sentir sozinho. Amor não tem quantidade, nem muito nem pouco. Amor é amor, pra ele existir basta ser. Amor é e pronto, sabe?
- Sei...
- Não acredite quando as pessoas dizem que já não amam alguém como antes. Se é menos, não é mais amor. Mas além disso, tem outra coisa muito mais importante sobre o amor.
- O quê, vó?
- Só o amor é urgente nesse mundo. A gente existe é pra isso mesmo, pra amar. Todas as outras coisas da vida são importantes, mas elas só existem pra permitir que a gente ame.
- Você acha, vó?
- Tenho certeza, minha neta. A maior coisa que eu aprendi nessa vida foi isso: se não for por amor, não é urgente. O resto todo pode esperar.
- É, acho que você tem razão...
Julinha saiu pensativa, refletindo sobre os conselhos da sua avó. Caminhava enquanto comia um sanduíche natural, pois teria reunião em alguns minutos na empresa. Estava tão concentrada que sequer notou que andava na direção de Fábio, que passava pelo mesmo lugar. O encontrão foi inevitável.
- Nossa, desculpa, não vi você vindo.
- Que nada, não tem problema, eu quem peço desculpas. Você parecia apressada e eu não saí da frente.
- Sabe como é, trabalho, reunião, a gente sempre está com pressa.
- Sei, claro que sei. Já passei por isso. Meu nome é Fábio, e o seu?
- Júlia.
- Olha, deixa eu compensar você pelo encontrão pagando seu almoço. Acabei estragando seu sanduíche.
- Obrigada, mas não posso, vou me atrasar pra reunião.
- Essa reunião é tão importante assim?
- Bastante.
- E ela pode começar sem você?
- Não. Fui eu mesma quem marquei a reunião.
- Então eles podem te esperar uma meia hora, não acha?
- É... acho que sim. Deixa só eu avisar minha secretária.
- Não precisa. Você não é a chefe? Você não precisa dar satisfação.
- Mas é rápido, não vai demorar.
- Só temos 30 minutos, Júlia. Cada segundo é precioso.
- Tá bom, vamos lá.
Sentaram num restaurante próximo, que Júlia adorava mas nunca ia por falta de tempo.
- Me conta, por que você vive com tanta pressa?
- Muita coisa pra resolver e pouco tempo.
- Seu dia não tem 24 horas, como o de todo mundo?
- Tem, mas bem que podia ter 48.
- Eu te entendo, já estive nessa situação.
- E não está mais?
- Mudei de vida. Demorei mas percebi uma coisa bem simples: tudo o que chamamos de obrigação é somente escolha. Ninguém nos obriga a ficar em um determinado emprego, ou com uma pessoa, ou a tomar as decisões que tomamos. Não há obrigatoriedade nenhuma nas nossas obrigações.
- Mas todo mundo precisa estudar, trabalhar, pagar contas.
- Precisa, mas você é quem decide como e onde trabalhar, que contas deseja pagar e o que fazer com o seu tempo livre.
- De certa forma você tem razão. Agora há pouco minha avó disse algo parecido.
- O que ela disse?
- Que nada nessa vida é urgente, a não ser o amor. Se algo não é por amor, pode esperar.
- Sua avó sabe o que diz.
- Acho que sim.
- Bem, acho que você tem que ir.
- Tenho sim, já estou bastante atrasada.
- Fico feliz de ter esbarrado em você.
- Eu também. Apesar de ter perdido meu sanduíche, foi divertido.
- Espero que possamos repetir um dia.
- É, quem sabe.
Trocaram telefones e ficaram de conversar depois.
Uma semana depois, chegando ao trabalho e cheia de coisas pra resolver, Júlia avisa a sua secretária que não quer ser interrompida e não vai atender nenhuma ligação. Perto da hora do almoço, o ramal de Júlia toca.
- Dona Júlia, ligação pra você.
- Dona Telma, eu disse que não queria ser interrompida.
- Eu sei, Dona Júlia. Mas é um moço da voz bonita que quer falar e parece aflito.
- Anote o recado que eu entro em contato depois.
- Ok, Dona Júlia. Ele pediu pra avisar que o nome dele é Fábio.
- O que ele quer?
- Não sei, ele não falou. Mas disse que é urgente.